Postado em 2 de novembro de 2023

Os rituais, o sagrado e as festas

Autor(a): Roberto Camilo Órfão Morais

 A 107ª festa de São Benedito, patrimônio cultural, imaterial do povo de Machado ocorreu em agosto. Penso que seja pertinente para o momento a reflexão sobre o sentido dos rituais, do sagrado e das festas como elementos fundantes no processo de enraizamento, de criação de vínculos na comunidade.

A pergunta a ser levantada para a reflexão é de como podemos compreender os rituais, o sagrado e as festas, visando a busca de um sentido para a vida, nesse momento histórico de mudança de época?

Rituais são ações simbólicas que transmitem e representam os valores de uma determinada comunidade, que proporciona vínculos afetivos. Os símbolos, por sua vez são sinais de reconhecimento, que proporcionam “encasamento” ou seja “transforma o estar no mundo no estar em casa”. Nesse início de século XXI estamos desprovidos do simbólico, pois tudo é marcado pela pressa, perdendo a capacidade de ritualizar o cotidiano.

O sagrado é o fascinante, irradia luminosidade, mistério que se manifesta nas diferentes realidades da vida e dá sentido a ela, pois é o transcendente que dá sentido ao imanente. Segundo Rudolf Otto o sagrado é uma categoria que denota a manifestação do poder divino como o “outro absoluto”, distinto de qualquer outra experiência. Sagrado é o santo, sempre cheio de Deus: “Santificai-se e sede santos... porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Lv 19,2).

As festas se realizam através dos rituais e símbolos, que geram comunicação, pertença, onde as pessoas passam a agir comunitariamente, estabilizando a vida. A correta expressão é celebrar as festas, onde se estabelece uma relação com o divino. As festas nos retiram da rotina do trabalho, contribuindo de forma decisiva para superação da monotonia, do enfado, criando um campo fértil para a criatividade e inovação.

O que se evidencia na atualidade é que a sociedade de mercado tem dissipado os rituais, banalizado o sagrado e, transformado as festas em eventos, algo passageiro. Tudo virou objeto de compra e de venda, tendo como consequência um deserto no recôndito da alma humana, permeado por um processo de desenraizamento.

O ser humano necessita ter raízes múltiplas; moral, intelectual e espiritual para uma vida em plenitude, fazendo-se necessário resignificar os rituais, o sagrado e as festas, pois assim estaremos através da tradição elaborando o novo, superando a mediocridade e estupidez da atualidade.

Vivenciar a mística dos rituais, do sagrado e das festas é resistir a uma cultura do descarte, que transforma o ser humano em algo coisificado. É dar um sentido à vida em sua plenitude e beleza, como fazem os congadeiros durante a centenária festa de São Benedito que, na expressão da Fé, se colocam como verdadeiros peregrinos na obrigação religiosa, não se permitindo a serem reduzidos num papel folclórico, inseridos em um evento.

Nos congados está a preservação dos rituais, do sagrado e das festas dos pretos, que historicamente foi suficiente para impregnar na cultura e nas artes, o que temos de melhor, incluindo a esperança de sermos uma nação fraterna, justa e igualitária. Não é possível elaborar um sentido para a vida nesse início de século, sem o retorno às raízes daquilo que somos.

 

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Alfenas Hoje

Roberto Camilo Órfão Morais
Professor
Professor de Ciências Humanas do Instituto Federal Sul de Minas - Campus Machado.



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